sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Dano Moral em matéria previdenciária - sentença exemplar

PROCEDIMENTO COMUM DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Nº 5007963-54.2012.404.7000/PR

AUTOR: MARIA VITORIA COLITA
ADVOGADO: FABIANO RECHE DOS REIS
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


SENTENÇA

Trata-se de ação ajuizada por Maria Vitória Colita, 03 anos, portadora de visão subnormal de ambos os olhos (CID H54.2) e transtorno específico do desenvolvimento motor (CID F82), representada por sua mãe, Olinda de Paula, contra o INSS, visando à concessão de benefício assistencial indeferido ao argumento de não cumprimento do requisito econômico.
A condição de deficiente da parte autora para fins da prestação assistencial foi reconhecida na instância administrativa, sendo, portanto, questão incontroversa (INFBEN1, evento 6).
No que tange ao quesito socioeconômico, a renda mensal per capita familiar deve ser inferior a ¼ do salário mínimo (Lei 8.742/93, art. 20, § 3°). Na espécie dos autos, constatou-se que o grupo familiar da requerente é composto por ela, seu pai (José, 43 anos, desempregado desde 10/08/2012), sua mãe (Olinda, 39 anos, que não aufere renda), e os irmãos (Roni, 18 anos; Amanda e Guilherme, menores; Brenda e Sthefany, ambas titulares de benefício assistencial), e que residem em casa alugada (R$ 250,00), de simples condições, mal conservada, construída em madeira, guarnecida de móveis e utensílios domésticos usados, localizada em rua com pavimentação, rede de água e iluminação pública (CERT1, evento 8; INFBEN, evento 15).
Ocorre que a Turma Nacional de Uniformização firmou entendimento no sentido de que, 'para fins de concessão de benefício assistencial a deficiente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) se aplica por analogia para a exclusão de um benefício assistencial recebido por outro membro do grupo familiar, ainda que não seja idoso, o qual também fica excluído do grupo para fins de cálculo da renda familiar per capita' (PEDILEF 2007.83.00.502381-1/PE, rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 19/08/2009).
Logo, excluindo-se do cálculo os dois benefícios de prestação continuada, recebidos pelos familiares da parte autora, e o benefício governamental destinado à alimentação (TR do Paraná, RCI 2007.70.95.016291-4, Rel. Márcia Vogel Vidal de Oliveira, j. 06/10/2008) considera-se inexistente a renda mensal familiar. Mesmo durante o período em que o genitor da requerente estava empregado (evento 35), considerando-se o grupo familiar de seis pessoas, haveria cumprimento do requisito econômico, porque a renda per capita não ultrapassaria o mínimo legal .
De outra parte, ainda que a TNU oriente no sentido de que o cumprimento do requisito econômico implique presunção absoluta de miserabilidade (PEDILEF 2008.70.51.001848-9, Rel. Juíza Federal Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 04/09/2009), penso que excluir do juiz a análise subjetiva de cada caso é impedi-lo de dar à norma uma constituição equitativa para o problema concreto.
Nesse propósito e buscando aproximar o entendimento da TNU com as exigências de justiça para o caso, parto da premissa de que, se a renda familiar do pretendente ao benefício é inferior a ¼ do salário-mínimo, presume-se a carência econômica do grupo familiar, salvo evidentes sinais de desnecessidade da proteção assistencial.
No caso em questão, não há elementos que permitam afastar a presunção da carência econômica, sendo devida a concessão de benefício assistencial com efeitos desde a data do requerimento administrativo (DER: 24/09/2010), quando se encontravam presentes os pressupostos para o seu deferimento.
De outra parte, em que pese reconheça que em determinados casos o indeferimento administrativo pode ocasionar dano à integridade moral de uma pessoa, especialmente quando demonstrados os efeitos da privação da proteção social que se fazia devido, na espécie dos autos não vejo razões suficientes para a condenação da entidade previdenciária na correspondente reparação.
O que me parece entender indevida a condneação em reparação dos danos morais não é o fato de que o critério administrativo foi observado de modo escorreito pelo agente administrativo ao não excluir do cálculo da renda mensal familiar o valor recebido a título de benefício assistencial por pessoa com deficiência. Segundo a letra da lei, apenas o valor do LOAS recebido por idoso não deve integrar a renda mensal familiar (Lei 10.741/03, art. 34, parágrafo único).
A lesão a direito do particular e, portanto, a ilegalidade do ato administrativo deve ser aferida de acordo com o sistema normativo tal como interpretado pelo agente estatal responsável pela aplicação judicial do direito. Se é reconhecido que o direito ao benefício assistencial de uma pessoa existia ao tempo do requerimento administrativo, o ato administrativo de indeferimento é contrário ao Direito e, por tanto, ilícito.
O erro grosseiro do agente concessor ou a manifesta ilegalidade do ato administrativo nos orienta na tarefa de identificação do grau da ofensa moral, fazendo presumir a existência de abalo moral indenizável, isto é, diferenciando-o dos meros dissabores do cotidiano em sociedade. Mas não é pressuposto indispensável para a caracterização do dano moral em matéria previdenciária.
O indeferimento administrativo previdenciário pode, com efeito, gerar dano moral. Mas ainda que se trate de benefício de natureza alimentar - e se possa presumir a destituição de recursos necessários à subsistência - o caso concreto é que demonstrará em que termos a privação propiciou aflição de espírito ou profunda angústia pessoal a ponto de caracterizar dano extrapatrimonial.
Na espécie dos autos, a renda familiar foi considerada inexistente - por compreensão judicial orientada pela aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/03. A autora é uma criança de 03 anos de idade que já deveria estar em gozo de proteção social há cerca de dois anos. São dois anos de privação de bem-estar ou de recursos considerados indispensáveis para sua subsistência e para a sua inserção social no presente e no futuro. De outro lado, as desfavoráveis condições sociais da parte autora e de sua família caracterizem flagrante estado de fragilidade social, o que reforça o impacto da ilegalidade administrativa na esfera psíquica da autora e de sua família. Por fim, a recalcitrância da Administração em alinhar-se à jurisprudência sobre o tema também merece censura, pois as ilegalidades se multiplicam a cada dia, com a consequente recusa de oferecer a proteção social ligada à esfera do mínimo existencial, afetando profundamente a dignidade da pessoa humana desprotegida.
Condeno o INSS, assim, na reparação dos danos morais, que fixo em R$ 4.000,00 (Quatro Mil Reais), considerando os argumentos acima expendidos, valores que deverão ser atualizados e acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano a partir da data da presente decisão, quando foram arbitrados os danos morais.

- Tutela de urgência

Reconhecido o direito de um lado e a natureza urgente da prestação objeto da presente demanda, determino à requerida que implante o benefício assistencial, no prazo de 20 (vinte) dias a contar da ciência desta decisão, sob pena de multa diária de R$ 25,00 (vinte e cinco reais).


- Dispositivo

Ante o exposto, julgo procedente em parte o pedido inicial e extinto o processo com resolução do mérito, na forma do art. 269, I, do CPC, para o fim de condenar o INSS a:
a) conceder benefício assistencial ao idoso em favor da parte autora, com efeitos desde a DER (24/09/2010);
b) condenar o INSS a pagar as prestações vencidas desde então e até a data do trânsito em julgado, atualizadas monetariamente pelo IGP-DI desde seu vencimento (Lei nº 9.711/98, art. 10); pelos mesmos índices que reajustam os benefícios mantidos pelo RGPS (Lei nº 10.741/03, art. 31) e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação (Súmula 75 do TRF/4a Região), e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, devem incidir tão somente os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
c) condenar o INSS ao pagamento dos danos morais, na forma acima apontada.
Esclareço que a expressão 'uma única vez', constante do artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação da Lei 11.960/2009, quer dizer que os índices da poupança substituem, a uma só vez, correção e juros moratórios. Não significa, todavia, impedimento à aplicação capitalizada dos juros, até porque a intenção do legislador foi criar equivalência entre a remuneração da poupança e a correção do débito da Fazenda.

Deve ser observada a limitação de 60 salários mínimos na data do ajuizamento (artigo 3º da Lei 10.259/01), incluídas as 12 parcelas vincendas.
Intimem-se as partes e, por e-mail, a chefia da APS de Atendimento às Demandas Judiciais para que implante o benefício assistencial em favor do requerente (NB: 542.793.873-3, DIB: 24/09/2010, DIP: data da intimação da decisão).
Caso haja recurso de quaisquer das partes dentro do prazo legal, intime-se a parte recorrida para oferecer contrarrazões. Após, remetam-se os autos à instância recursal.
Intimem-se.


Curitiba, 25 de setembro de 2012.
José Antonio Savaris
Juiz Federal

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